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19 de Maio de 2024

Relativização da presunção de vulnerabilidade no estupro de vulnerável

há 12 anos

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Decisão recente da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a absolvição de um rapaz acusado de ter praticado o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) contra uma menina de 12 anos de idade. Longe de comentar a decisão, o intuito neste breve artigo é destacar uma discussão que precisa ser levada adiante por nossa doutrina e pela jurisprudência: a presunção de vulnerabilidade no estupro de vulnerável.

Diz o art. 217-A que é crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A lei pressupõe, pela própria denominação do capítulo II (Dos Crimes Sexuais contra Vulneráveis), que as vítimas do crime são pessoas com grau de vulnerabilidade que as impede de exercer atos de natureza sexual mesmo com consentimento, uma vez que este é considerado inválido. Vulnerável, no contexto do art. 217-A, é a pessoa que não possui capacidade suficiente para decidir sobre o próprio comportamento sexual. Assim, aquele que mantém conjunção carnal ou ato libidinoso com vulnerável responde por crime, mesmo quando houver consentimento, pois este nada vale.

A primeira hipótese de vulnerabilidade prevista no tipo é a idade inferior a 14 anos (critério etário). Presume a lei penal que o menor de 14 anos não atingiu a maturidade suficiente para uma vida sexual. Portanto, o art. 217-A protege este menor contra sua própria vontade. Nota-se que a idade do ofendido é elementar do tipo que, por si só, é suficiente para tornar o fato formal e materialmente típico, segundo entendimento majoritário. Não se exigem violência ou grave ameaça contra a vítima no caput, pois, caso incida uma dessas hipóteses, o agente deve responder pelo crime previsto no art. 217-A, § 3o (se resultar lesão corporal grave).

Em relação à vulnerabilidade, decisões anteriores, que levavam em consideração o revogado art. 224 do Código Penal, afirmavam a presunção absoluta de violência contra o menor de 14 anos. A jurisprudência do STJ e do STF, com exceção dos casos de erro de tipo comprovado, mantém o entendimento de que não cabe prova em contrário contra a presunção de violência, uma vez que a lei não fazia ressalvas à prática de atos libidinosos contra menores de 14 anos. Como a idade da vítima era elementar do art. 224, sem qualquer ressalva, a prática do ato sexual bastava para a configuração do estupro ou do revogado atentado violento ao pudor. O novo art. 217-A reforçou o posicionamento do STF, conforme a seguinte decisão: “A violência presumida foi eliminada pela Lei n. 12.015/2009. A simples conjunção carnal com menor de quatorze anos consubstancia crime de estupro. Não se há mais de perquirir se houve ou não violência. A lei Crimes em Espécie - Crimes Contra a Dignidade Sexual consolidou de vez a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.” (HC 101.456, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-3-2010, Segunda Turma, DJE de 30-4-2010.) No mesmo sentido: HC 102.473, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 12-4-2011, Segunda Turma, DJE de 2-5-2011.

A decisão recente do TJRS (Apelação Criminal n.º 70044569705) vem em sentido oposto ao posicionamento consolidado no STF e o faz negando a presunção absoluta de vulnerabilidade. Sem entrar no mérito do julgado, é preciso reafirmar a necessidade de interpretar o art. 217-A sistematicamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como já pude argumentar em artigo publicado na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal (vol. 68, Jun/Jul/2011, pp. 07-24), é inconcebível que o adolescente entre 12 e 14 anos possa ter maturidade reconhecida em lei para sofrer medida sócio-educativa em caso de prática de ato infracional e, simultaneamente, não possua capacidade para manter relação sexual. O ECA é lei específica que faz a clara distinção entre criança (jovem até os 12 anos) e adolescente (jovem entre 12 e 18 anos). Entre 12 e 14 anos há uma zona cinzenta, que permite a aplicação de medida sócio-educativa e impede a liberdade sexual. Quando o menor tiver menos de 12 anos não há dúvidas: ele é criança e, portanto, não há maturidade para a vida sexual, e isso legitima a intervenção penal do Estado. Entretanto, o menor entre 12 e 14 anos já é um adolescente e sua vulnerabilidade pode ser discutida. Vale ressaltar o PL 1.213/2011, da Câmara dos Deputados, que pretende relativizar a vulnerabilidade no caso do ofendido portador de deficiência mental quando este tiver o mínimo de capacidade para consentir.

Em resumo, defende-se aqui a relativização da vulnerabilidade sexual quando o menor estiver entre os 12 e os 14 anos de idade. Se há o mínimo de maturidade para receber uma medida sócio-educativa, e responder por ato infracional, deve ser permitida a prova em sentido contrário em relação à vulnerabilidade para os atos sexuais. Reafirmando: não se defende a retirada da presunção ou a redução da idade no tipo penal para 12 anos; o que se pretende é permitir ao acusado provar que o ofendido, entre 12 e 14 anos, tem capacidade suficiente para consentir, uma vez que o consentimento válido tornaria o fato materialmente atípico. Se a tipicidade material é a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, o consentimento válido espanta qualquer ofensa à dignidade sexual, que é o bem jurídico tutelado pela norma em questão.

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3 Comentários

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Olá boa noite.
Meu pai tem 65 anos e envolveu com uma nenina de 13 anos, os dois estavam sando com o consentimento da mãe da menor.
Outro homem q também sai com a menina denunciou meu pai.
Onde esta preso á 2 meses.
Gostaria de saber se tem alguma posibilidade dela sair da prisão com o habeas corpus? continuar lendo

Boa noite um amigo ta sendo acusado de estrupo de vulnerável a menina e virgem tem como ele sair habeas-corpus continuar lendo