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26 de Abril de 2024

Desacato. Incompatibilidade do tipo penal com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Controle de convencionalidade.

O art. 331 do CP, que prevê a figura típica do desacato, é incompatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, do qual a República Federativa do Brasil é signatária.

há 7 anos

Informativo 596 STJ

"O art. 2º, c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê a adoção, pelos Estados Partes, de"medidas legislativas ou de outra natureza", visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. Na sessão de 4/2/2009, a Corte Especial do STJ, ao julgar, pelo rito do art. 543-C do CPC/1973, o REsp 914.253/SP adotou o entendimento firmado pelo STF no RE 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal,"o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade."Trata-se do controle de convencionalidade, cuja finalidade é compatibilizar as normas internas com os tratados e convenções de direitos humanos, nos termos de doutrina pioneira, no Brasil. Dessarte, ao contrário do que entenderam as instâncias ordinárias, a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação de possível inconformidade do art. 331 do CP, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou a respeito do tema em casos que envolveram outros países, resultando, sempre, em decisões pela prevalência do art. 13 do Pacto de São José sobre normas internas que tipificam o crime em exame. No relatório especial de 1995, a Comissão afirmou que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário (CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995, 197-212). A CIDH, em seu 108º período ordinário de sessões, realizado de 16 a 27/10/2000, aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, que estatui:"11. Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como 'leis de desacato', atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação."Ora, as recomendações da CIDH assumem força normativa interna. A adesão ao Pacto de São José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais nele reconhecidos. Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo resultar de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta Turma, DJ 25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da função exercida em nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição abusiva do poder punitivo estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Ademais, a punição do uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São José abolissem suas respectivas leis de desacato. Observe-se, por fim, que o afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva, utilizada perante o funcionário público."

Desacato Incompatibilidade do tipo penal com a Conveno Americana de Direitos Humanos Controle de convencionalidade

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